Instituto Agronômico de Campinas recebeu a primeira Reunião Anual da SBPC (Foto Martinho Caires)

Campinas sediou a primeira Reunião Anual da SBPC, marco para a ciência brasileira

A primeira Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) foi realizada em Campinas, no Instituto Agronômico, entre os dias 11 e 15 de outubro de 1949. Foram 104 inscritos, com 82 trabalhos apresentados. Se os números foram modestos, o encontro já projetava a importância que a SBPC, fundada no ano anterior, teria para fomentar o crescimento da ciência em um país que ainda patinava nessa área. Além disso, a histórica Reunião de Campinas marcou o início da trajetória desses encontros anuais que atraíram número cada vez maior de pessoas e foram fundamentais para o processo de redemocratização, após o ciclo de governos militares de 1964-1984. Em 1982, quando mais uma vez a cidade – desta vez na Unicamp – sediou outra Reunião Anual, foram 3.480 participantes inscritos, com 2.892 trabalhos apresentados, embora no geral mais de 10 mil pessoas tenham circulado pelo campus na ocasião.

Fundação, após reação a demissões – A SBPC foi fundada oficialmente a 8 de julho de 1948, em uma reunião com a presença de 111 pessoas, na Associação Paulista de Medicina, em São Paulo. A primeira diretoria eleita tinha na presidência Jorge Americano, um advogado, acadêmico e político respeitado. Ele tinha sido o quarto reitor da Universidade de São Paulo (USP), onde criou os pioneiros Fundos Universitários de Pesquisa, e chegou a ser juiz do Tribunal de Arbitragem de Haia, na Holanda. Autor de obra de destaque no direito, foi promotor público, deputado estadual e deputado federal na Assembleia Constituinte eleita em 1933.

A criação de uma entidade que representasse a comunidade científica brasileira era uma ideia que circulava na mente de muitos pesquisadores, mas um fato com características emblemáticas (porque mostra como a política sempre interferiu na ciência) contribuiu como um gatilho para o movimento que levou à fundação da SBPC. No início de 1948, pesquisadores em endocrinologia e química haviam sido demitidos do Instituto Butantan pelo diretor Eduardo Vaz, a pedido do folclórico governador de São Paulo, Adhemar de Barros.

Não se sabe a razão, mas o governador havia determinado a limitação dos estudos realizados no Instituto Butantan apenas ao âmbito da produção de soros antiofídicos. Houve uma imediata reação entre cientistas de várias áreas e, após várias conversas, três deles acabaram liderando uma mobilização que resultaria na instituição da SBPC.

Eram eles o farmacologista carioca Maurício Oscar da Rocha e Silva e o médico José Reis, que trabalhavam no Instituto Biológico, e o biólogo e professor da USP, José Sawaya. José Reis depois se destacaria como um dos precursores da divulgação científica, para um público amplo, além daquele restrito à comunidade acadêmica.

As conversas iniciais deste pequeno grupo, no Instituto Biológico, prosperaram e culminaram na ideia de formatação de uma instituição como aquelas que existiam em vários países, desde a precursora Academia Suíça de Ciências, em 1815. Reunidos em uma associação dedicada à ciência, os pesquisadores estariam mais fortalecidos, podendo fazer valer melhor a sua voz perante o incerto mundo da política e, sobretudo, estimulando a produção e a divulgação científica.

Daí nasceu a SBPC, que teve na primeira diretoria, além de Jorge Americano, os próprios Rocha e Silva (vice-presidente), José Sawaya (tesoureiro) e José Reis (secretário geral), mais Gastão Rosenfeld (secretário). A primeira diretoria trabalhou duro e logo no ano seguinte seria realizada a Primeira Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a cidade escolhida como sede, Campinas.

Instituto Agronômico: ícone da pesquisa agrícola e capítulo importante na história da SBPC (Foto Martinho Caires)

A primeira Reunião Anual, no IAC – O Instituto Agronômico de Campinas (IAC) já tinha grande prestígio na época, se destacando como a principal instituição de estudos e pesquisas em agronomia e alimentação no Brasil. Não por acaso, e por sugestão da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o tema escolhido para a Reunião Anual inaugural da SBPC foi “Alimentação”.

A fome já era uma grande preocupação mundial, após o horror da Segunda Guerra Mundial que continuava assombrando o conjunto de países. No Brasil, a questão ganhava o componente específico do gigantesco êxodo de nordestinos para o Sudeste e Sul, fugindo da seca e da falta de alimentos. Uma preocupação que ganharia notoriedade com a publicação em 1946 de “Geografia da Fome”, pelo geógrafo Josué de Castro.

Único estrangeiro presente à Reunião, o fisiólogo argentino Eduardo Braun-Menéndez foi convidado a fazer a conferência de abertura, sobre “Liberdade de Pesquisa” (outra questão que permanece de enorme atualidade…) Em seguida o físico de origem russa Gleb Wataghin discursou sobre a “Origem do Universo” – o cientista daria nome, anos depois, ao Instituto de Física da Unicamp.

Ou seja, se nos números a primeira Reunião Anual foi tímida, na prática a SBPC já se colocava como o território propício ao livre pensamento e ao incentivo à pesquisa e à ciência. A partir do encontro pioneiro em Campinas, as Reuniões Anuais adquiriram cada vez mais densidade e intensidade.

Em 1963, pela segunda vez Campinas recebeu a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Agora, na Pontifícia Universidade Católica (PUC-Campinas). O clima político no país era de enorme tensão, pela crescente oposição conservadora ao governo do presidente Joao Goulart.

Essa atmosfera se refletiu nos encontros dos cientistas e estudantes no Pátio dos Leões, onde funcionava o campus da PUC, no centro da cidade. Participaram da Reunião 949 inscritos, com a apresentação de 493 trabalhos científicos.

A vigilância pelos militares – Desde os anos 1970, as Reuniões adquiriram o papel de fórum de luta pela redemocratização do país. As reivindicações dos cientistas por liberdade de pesquisa e mais verbas para a ciência e a educação não podiam ser desvinculadas no desejo cada vez maior de fim da ditadura militar.

Por causa disso, as Reuniões Anuais da SBPC foram vigiadas de perto pelos chamados serviços de inteligência dos governos militares. Foi o que revelou a série de reportagens Arquivo Confidencial – Campinas, assinada pelos jornalistas Beatriz Vicentini e José Pedro Martins e publicada pelo jornal Correio Popular, em agosto de 1997 (a série foi finalista do Prêmio Esso de Jornalismo daquele ano). A série foi produzida com base nos documentos arquivados no DEOPS de São Paulo, revelando os porões da atuação da polícia política em Campinas desde a década de 1940, no governo de Getúlio Vargas, até o ciclo de generais entre 1964 e 1984.

Em uma das reportagens, “Os alquimistas estão chegando”, os jornalistas contaram como foi a vigilância dos espiões do governo do general João Batista Figueiredo à 34a Reunião Anual da SBPC, outra vez em Campinas, entre 6 e 14 de julho de 1982, mas agora na Unicamp, sob o tema geral “Ciência para a Vida”, que refletia a crescente inquietação com o agravamento do cenário ambiental no país e no planeta. .

A reportagem informa que, durante o encontro, o 11o Batalhão de Infantaria Blindada (BIB), sediado em Campinas, ficou de prontidão. O esquema especial de monitoramento foi batizado de “Operação Guarani”, talvez em homenagem à famosa ópera do compositor e maestro campineiro Antonio Carlos Gomes, talvez como tributo a um dos dois grandes times de futebol locais.

Os agentes documentaram 98 palestras ocorridas na Reunião Anual. Uma delas, de um professor da PUC-SP sobre o humor na imprensa brasileira, citando entre outros personagens o “Amigo da Onça” e o “Jeca Tatu”.

Sempre com base na documentação obtida no DEOPS, a reportagem revela que houve um acordo entre o reitor da Unicamp, José Aristodemo Pinotti, e o presidente da SBPC, Crodowaldo Pavan, para que o campus universitário não sofresse intervenção policial. Pelo acordo, seria retirada uma enorme bandeira do PC do B, ainda na clandestinidade, desfraldada durante atividades da Reunião Anual. O evento terminou sem intervenção ou prisões, mas a reportagem deixou clara a limitação de liberdades civis naquele momento histórico.

Em 2008, pela quarta vez Campinas sediou uma Reunião Anual, a 60a da SBPC. Foram 6.284 participantes inscritos, com 2.955 trabalhos apresentados. De novo foi na Unicamp, sob o tema geral “Energia, Ambiente e Tecnologia”. Mais uma vez, a preocupação com a urgência de construção de uma nova matriz energética, para combater as mudanças climáticas.

Fora capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, nenhuma outra cidade sediou tantas vezes o encontro máximo da entidade representativa dos cientistas brasileiros. A relação entre a SBPC e Campinas não deixa dúvidas. A cidade escreve capítulos relevantes para a ciência e a tecnologia no Brasil. (Por José Pedro S.Martins)

(Mais informações sobre a história da SBPC, no livro recém–lançado sobre os 70 anos de história da Sociedade, aqui)

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