Colégio Florence, Campinas. Autoria Desconhecida, Óleo sobre tela. Acervo Museu Paulista

Escolas históricas de Campinas I – Colégio Florence

Na segunda metade do século 19, Campinas teve ousadas propostas educacionais e uma delas foi o Colégio Florence, criado a 3 de novembro de 1863. A instituição foi um marco no setor educacional de Campinas, por seus métodos e conceitos extremamente liberais para a época e foi fundado pelo casal Carolina Krug Florence e Hércules Florence, intelectuais afinados com as tendências liberais que emergiam em um País em transição do regime escravocrata para um período de incipiente industrialização.

Nascida a 21 de março de 1828, em Kassel, cidade no Sul da Alemanha que hoje sedia uma das mais importantes mostras de artes plásticas do planeta, Carolina Krug estudou na Suíça, no Instituto de Madame Niederer, em La Servette, na região de Genebra, onde tomou contato com o método pedagógico de Pestalozzi, que a auxiliaria muito no futuro, na montagem do Colégio em Campinas. A direção que Madame Niederer imprimia ao internato também seria fundamental para a forma liberal como Carolina conduziria a sua instituição, como notou Arilda Inês Miranda Ribeiro, no seu importante livro “A educação feminina durante o século XIX – O Colégio Florence de Campinas 1863 – 1889”, publicado em 2006, pela Coleção Campiniana, do Centro de Memória da Unicamp.

Uma das fotos históricas de Carolina Florence, de autoria desconhecida

Carolina e os pais desembarcaram no Brasil em setembro de 1852, com o objetivo de fixar residência em Campinas, onde já morava o seu irmão mais velho, o farmacêutico Jorge Krug, líder maçom que teria decisiva participação na fundação do Colégio Culto à Ciência, em 1869. Em 1854, aos 24 anos, Carolina se casa com o francês Hércules Florence, um cientista que participou da famosa Expedição do Barão Langsdorf, de 1825 a 1829, e que para muitos especialistas foi o verdadeiro inventor da fotografia, por seus estudos pioneiros com câmara escura e fixação de imagens, antes mesmo das experiências de Daguerre, a quem se atribui a invenção (ver sobre Hércules Florence aqui).

Fazendeiro de café, Hércules Florence era viúvo quando se casou com Carolina. Durante anos o casal viveu na zona rural, mudando-se para a cidade em 1863. Logo amadureceu a ideia de fundação de um Colégio para mulheres com propostas novas, alinhadas com uma sociedade em transformação. Fundado em um prédio do irmão Jorge Krug, na rua das Flores atual José Paulino, na quadra onde estão as instalações da Telesp – o Colégio teve inicialmente apenas sete alunas, como informou Arilda Ribeiro. Mas logo o número cresceu, pelos rumos imprimidos pela fundadora e pelo nível intelectual e ético dos professores.

Desenho do Colégio Florence, por Hércules Florence

Corpo docente de primeira linha

De formação protestante, Carolina Florence nunca estimulou o proselitismo no seu Colégio. Pelo contrário, incentivou o ecumenismo religioso e cultural no mais amplo sentido do termo. Seriam professores de Doutrina Cristã no Colégio os padres Lima e Joaquim José Vieira, que pela sólida formação seria nomeado bispo no Ceará, depois de ter tipo um papel fundamental na criação da Santa Casa de Misericórdia de Campinas.

Entre outros, também integraram o corpo docente do Colégio Florence o próprio Hércules Florence, o austríaco Emílio Henking e Francisco Rangel Pestana, um dos principais propagandistas da República. Nascido em Iguassu, atual Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, em 1839, Pestana cursou o Colégio D.Pedro II, na capital fluminense, antes de se transferir para São Paulo, formando-se em Direito pela histórica Faculdade do Largo de São Francisco em 1863, o ano de fundação do Colégio Florence.

Colaborou com vários jornais republicanos e em 1871 Rangel Pestana muda para Campinas, com sua esposa Damiana Quirino dos Santos, e passa a colaborar com a “Gazeta de Campinas”, além de fundar a Escola do Povo, com cursos gratuitos. Pestana passa a dar aulas no Colégio Florence e em 1876 funda com a esposa a própria escola, o Colégio Pestana, que no entanto tem vida curta. Damiana era irmã de Francisco Quirino dos Santos, personagem importante na história de Campinas e que estudou com Rangel Pestana em São Paulo. Ainda em Campinas, Pestana foi diretor do Colégio Americano Internacional Morton.

Francisco Rangel Pestana foi ainda um dos fundadores e redator por muitos anos do jornal A Província de São Paulo, que, com a vitória da República, mudaria o nome para O Estado de São Paulo. O jornalista e advogado morreu em 17 de março de 1903, no exercício do mandato de
senador. De seu casamento com Damiana Quirino dos Santos, teve 13 filhos.

Também foi professor no Colégio Florence o músico italiano Emílio Giorgetti, mestre, entre outros, de Maria Monteiro, a cantora que encantou o Imperador D.Pedro II em sua visita a Campinas em 1886 e logo, com uma bolsa de estudos concedida pelo casal real, foi para a Europa. Na recepção a D.Pedro II, no Colégio Florence, Maria Monteiro cantou com Emílio Giorgetti ao piano e Sant´Anna Gomes, irmão de Carlos Gomes, ao violino. A cantora morreu muito nova, aos 27 anos, em 1897.

Capa de uma das muitas edições do livro de Julio Ribeiro

Outro professor de destaque no Colégio Florence foi o educador Miguel Alves Feitosa, autor de”A Gramática das EscoIas”, uma das mais respeitadas na época no Brasil. O professor depois fundaria, em 1887, a própria escola, o Externato Feitosa. “A Gramática das Escolas” foi baseada em Pierre Larousse e teve várias edições, impressa pela Gazeta de Campinas. O nome completo do livro era “Grammatica das escolas, dedicada à Província de S.Paulo sobre o plano de Pierre Larousse”.

Mais um professor de destaque do Colégio Florence era o escritor e jornalista Júlio Ribeiro, autor de uma Gramática Portuguesa também influente e do romance “A Carne”, um dos melhores retratos do horror vivenciado pelos escravos nas senzalas do Brasil imperial. Com forte influência do escritor francês Emile Zola, um dos expoentes do naturalismo, Ribeiro chegou a ser membro da Academia Brasileira de Letras, falecendo em Santos em 1890, com apenas 45 anos.

Outra foto histórica de Carolina Florence, de autoria desconhecida

AÇÃO SOLIDÁRIA E MUDANÇA COM A FEBRE AMARELA

A ação solidária foi um dos conceitos centrais do Colégio Florence, propagado entre as alunas e da instituição para a comunidade. Em 1882, sob a coordenação de João Kopke, autor do “Método racional e rápido de aprender”, que viria a ser adotado em todo o sistema de ensino estadual de São Paulo, foi criada no Colégio Florence a “Revista Trimensal”, com artigos sobre a vida da escola e sobre vários aspectos da sociedade campineira, como informa novamente Arilda Inês Miranda Ribeiro.

Os recursos arrecadados com as assinaturas da Revista – que tinha uma proposta gráfica inovadora para a época – eram repassados para a Escola “Corrêa de Melo”, que fora criada por membros da elite local e era destinada a alunos pobres, sem condições de freqüentar os colégios particulares, de acordo com o exemplo de vida do botânico que deu nome à instituição.

A fraternidade pregada no Colégio Florence ficaria evidente na época da maior tragédia ocorrida cm Campinas, os surtos de febre amarela registrados no final do século 19, no auge do Ciclo do Café. Um grupo de mulheres de membros da elite local, a maioria delas ex-alunas do Colégio Florence, se envolveria diretamente no auxílio às vítimas da febre amarela, em sua maior parte do contingente de pobres da cidade.

Os surtos de febre amarela influíram no próprio destino do Colégio Florence. Durante os meses mais críticos, de março e abril de 1889, o Colégio fechou suas portas, só voltando a funcionar em agosto, em Jundiaí, para onde a direção resolver transferir a escola, que funcionaria como Instituto de Educação Experimental de Jundiaí e, hoje, Escola Estadual Bispo Dom Gabriel Paulino Bueno Couto.

Foram 25 anos em Campinas. O Colégio Florence deixou marcas e um legado de educação aberta, livre de proselitismo, que a cidade precisa preservar.

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