Prédio do Lar dos Velhinhos que foi remodelado com a Mostra Mais Sustentável (Foto Martinho Caires)

Lar dos Velhinhos de Campinas: história centenária de busca da dignidade para os usuários

Uma campanha que começou na imprensa resultou na criação da instituição e em toda trajetória mais do que centenária a comunidade foi fundamental para a sua manutenção. Em 2020, ano em que o mundo enfrenta o gigantesco desafio da pandemia de Covid-19, o Lar dos Velhinhos de Campinas reafirma o compromisso de estar sempre empenhado na busca da dignidade para seus usuários, novamente com o apoio comunitário.

Entre os dias 22 de janeiro e 8 de fevereiro de 1899 o jornalista Antônio Sarmento escreveu uma série de artigos, no jornal “Diário de Campinas”, defendendo e propondo a criação de um asilo para os mendigos que viviam nas ruas da cidade. Campinas ainda se recuperava da série de surtos de febre amarela, que começou com o mais forte em 1889 e foi até 1897. Muitos moradores se encontravam em situação de miserabilidade, chamando a atenção da opinião pública. Muitos cortiços concentravam parte dessa população.

Eram os tempos de campanhas de imprensa, como as que tinham sido registradas em defesa da abolição dos escravos e que mobilizavam boa parte da sociedade. As palavras de Antônio Sarmento encontraram eco e anos mais tarde, especificamente no dia 25 de julho de 1904, é criado o Asylo dos Mendigos, agora sob a liderança do delegado de Polícia Paulo Machado Florence.

Um ano depois a instituição já tinha nova nomenclatura, Asylo dos Inválidos, e sua primeira diretoria tem à frente o nome de Orosimbo Maia, empresário que seria prefeito de Campinas em três mandatos (1908-1910, 1926-1930 e 1921-1932). Também integravam a diretoria: Dr. Alberto Sarmento (Vice-presidente), Joaquim Villac (1º secretário), Tito Martins Ferreira (2º Secretário), Antônio Egídio Nogueira (Tesoureiro), Joaquim Augusto de Faria Cardoso (Procurador), Vitalino Ferraz (Mordomo).

Asylo dos Inválidos, desde o início do século 20 (Foto Reprodução)

Destacou-se na história inicial da instituição o nome de Luiz Antônio Assumpção Leite, convidado por Orosimbo Maia para a administração. O Asylo foi instalado na chácara “República”, adquirida para receber os usuários. Assumpção Leite transformou o terreno do Asylo em um grande pomar e horta, que ajudavam a compor a alimentação dos atendidos.

Entre outubro de 1918 e início de 1919, a pandemia da Gripe Espanhola atingiu proporções espetaculares em Campinas e em todo País. Foram 6.872 casos de pessoas atingidas na cidade, com 204 mortes. O número total de vitimados representava 6% da população, praticamente a proporção que havia sido observada durante a febre amarela. Como no período da febre amarela, houve um grande êxodo da população campineira. O Asylo dos Inválidos e outras instituições foram fundamentais para atender a população atingida pela pandemia.

Em reconhecimento ao trabalho do administrador, a Câmara Municipal de Campinas, pela lei 1840, de 29 de novembro de 1957, deu o nome de Luiz Antônio Assumpção Leite, falecido em 1944, à rua no entorno da instituição.

O Asilo dos Inválidos, agora sem o “y”, foi igualmente uma das primeiras organizações filiadas à Fundação FEAC – Federação das Entidades Assistenciais de Campinas, criada em abril de 1964.

Em 1972 nova mudança de nome, para Lar dos Velhinhos de Campinas, já definida a missão de atendimento aos idosos em situação de vulnerabilidade social.

A tartaruga, embaixadora dos oceanos e que costuma viver muito, pintada por ocasião da Mostra Mais Sustentável (Foto Martinho Caires)

Campanhas pelo Lar – Assim o Lar dos Velhinhos de Campinas prosseguiu seu percurso de busca permanente da dignidade para seus usuários, sempre com o apoio da comunidade. Uma das ações nesse sentido é o Jantar Abrace Velhos Amigos, normalmente reunindo na Sociedade Hípica de Campinas convidados para um jantar assinado por alguns dos principais chefs de cozinha da cidade.

No dia 5 de junho de 2016 um grande susto, com o Lar dos Velhinhos de Campinas sendo muito atingido pelo mini-tornado que abalou a cidade. Novamente a sociedade se movimentou e a instituição foi escolhida para receber a primeira edição da Mostra Mais Sustentável, que foi aberta ao público no dia 7 de setembro de 2017.

Mais de 200 profissionais se envolveram, desde abril daquele ano, entre arquitetos, engenheiros, designers, decoradores e muitos estudantes, que tiveram papel fundamental no processo, além do apoio de várias empresas e organizações. “A ideia era promover uma Mostra que deixasse um legado para o Lar dos Velhinhos. Esse projeto animou todo esse pessoal”, comentou na época Fernando Caparica, engenheiro eletricista com MBA em construções sustentáveis e que idealizou a Mostra. “Foi uma honra para nós, uma grande ação da sociedade para a instituição”, afirmou na ocasiãõ o presidente do Lar, Mauro Calais.

A principal intervenção foi na transformação de uma construção que servia mais ou menos como depósito e que foi remodelada para abrigar a área administrativa do Lar, deixando os espaços antes ocupados por ela para as atividades-fim da instituição. 

Na lógica da Mostra, todo o material de entulho das obras de remodelação foi utilizado na pavimentação de uma rua interna, antigo sonho do Lar. Água de reuso, destinação correta de resíduos e acessibilidade total, utilização de material e mão-de-obra local, outros componentes essenciais em um projeto de sustentabilidade, foram observados.

A Mostra Mais Sustentável contemplou a utilização de vários espaços desse novo ambiente administrativo pelos arquitetos e engenheiros que demonstraram as suas criações. Foi um grande estímulo depois do impacto do mini-tornado, mais uma evidência das mudanças climáticas em curso.

O artista plástico Ricardo Cruzeiro contribuiu com a Mostra. Cruzeiro levou para o Lar dos Velhinhos “Florânima” e “O Céu e a Terra”. Florânima, ele mesmo explicou, é a “união de Flora, Animal e/ou Ânima (alma). É um totem de personificação e reverência aos reinos vegetal e animal”. Já “O Céu e a Terra”, que permaneceu na instituição depois do término da Mostra, como mais um legado do evento, é uma escultura em alumínio de ferro-velho com pátina inspirada nas tonalidades de cores encontradas na oxidação do bronze.

O Céu e a Terra, obra de Ricardo Cruzeiro (Foto Martinho Caires)

Enfrentando a Covid-19 – A Covid-19 é a segunda pandemia na história do Lar dos Velhinhos de Campinas – ou terceira, considerando os impactos da febre amarela como um dos fatores que acabaram levando à criação da instituição em 1904. Com o alto risco da pandemia para as pessoas idosas, desde março os usuários do Lar passaram a ficar em isolamento.

Assim, restabelecer as visitas presenciais dos familiares aos usuários se tornou um objetivo e um desafio para o Lar. A instituição criou então uma comissão para definir todos os protocolos necessários na aproximação do idoso com sua família, sem comprometer a segurança e saúde de todos. Em agosto, uma estrutura em vidro foi montada, todas as medidas protetivas foram tomadas e finalmente os atendidos puderam rever seus familiares e dar adeus ao distanciamento e ao sentimento de solidão, como informou o Facebook da instituição.

Outra ação do Lar dos Velhinhos de Campinas foi o convite para que jornalistas, artistas e cidadãos em geral enviassem mensagens aos usuários no período de quarentena. O convite foi aceito e os usuários receberam manifestações de nomes como os apresentadores de TV Franklin David e Luciana Gimenez, o músico Derico Sciotti e a jornalista da EPTV. Essa ação foi objeto de uma reportagem do Portal Longevinews, que trata das questões do envelhecimento. A reportagem pode ser vista abaixo. É a marca do Lar dos Velhinhos de Campinas, em uma história de busca permanente da dignidade e bem estar dos usuários.

https://www.youtube.com/watch?v=OfuW62rYsME

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