Projeto Sirius, ciência do futuro que já chegou (Foto Divulgação/ CNPEM)

DOSSIÊ PROJETO SIRIUS: CIÊNCIA DO PLANETA

Neste dossiê estão reunidas informações sobre o Projeto Sirius, a maior iniciativa em ciência da história em território brasileiro. Um projeto que consolida Campinas como a terra da ciência e tecnologia. A inauguração oficial das pesquisas aconteceu no dia 21 de outubro de 2020, com a presença do presidente Jair Bolsonaro e do ministro de Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes. A partir daí a primeira estação experimental do Sirius, chamada Manacá, passa a receber propostas de outros objetos de estudo. Até então, a Manacá recebia excepcionalmente apenas propostas de pesquisa relacionadas à COVID-19, uma resposta emergencial à pandemia. Neste dossiê estão informações sobre o Projeto Sirius e um artigo especial do físico Rogerio Cerqueira Leite comentando essa grande aventura da ciência brasileira.

Sirius, a luz que faz a ciência brilhar a partir de Campinas

O maior e mais complexo projeto da ciência brasileira deve permitir a realização de análises inéditas no mundo

Uma das seis linhas de luz do Sirius Foto Divulgação/ CNPEM)

Quais são os maiores problemas que a humanidade enfrenta hoje?

A poluição que contamina o solo e as águas, afeta o clima e ameaça o planeta ?

As doenças, que matam milhões de pessoas e paralisam a atividade econômica em escala mundial?

A produção sustentável de alimentos para saciar a fome?

Soluções para problemas estratégicos dessa magnitude e complexidade demandam uma combinação de recursos humanos e materiais nada triviais.

Poucos lugares no mundo concentram pessoas e estrutura de pesquisa voltada para objetivos tão desafiadores quanto no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), uma organização social supervisionada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia e Inovações (MCTI) em Campinas (SP), como o explica o diretor-geral Antonio José Roque da Silva:

”Todas essas perguntas vão acabar chegando na necessidade de entendimento de como são as ligações químicas de determinado material, de como é a organização espacial desses átomos, dessas moléculas, suas interações, então é nessa escala que as propriedades de qualquer processo ou qualquer problema consegue ser compreendida”.

  • História do Projeto Sirius

Ainda na década de 1980, um grupo de pesquisadores brasileiros assumiu a missão de projetar e coordenar a produção (peça por peça) e montagem em Campinas da primeira fonte de luz síncrotron do hemisfério sul. O Brasil ainda é o único país da América do Sul a dispor de uma estrutura desse tipo.

Essa luz de nome complicado é produzida a partir da aceleração de elétrons em velocidades próximas da luz dentro de tubulações mantidas em ultra alto vácuo. Por conta de diversas características bem particulares, a radiação produzida é muito útil para praticamente todas as áreas da ciência.

Toda a estrutura é usada como um enorme microscópio para análises de materiais orgânicos e inorgânicos. Compreender nos mínimos detalhes dinâmicas que se desenvolvem no nível de átomos e moléculas, sob as mais diversas condições, geram conhecimentos fundamentais para lidarmos com todos aqueles desafios nas áreas de saúde, meio ambiente, energia e novos materiais tecnológicos.

“Síncrotrons são as ferramentas mais versáteis para a investigação de qualquer tipo de material e portanto para ajudar na busca de respostas para problemas complexos”, afirma Roque.

Sirius

Um novo desafio foi assumido há cerca de cinco anos, quando foram iniciadas as obras de uma nova fonte de luz síncrotron em Campinas para substituir a anterior, usada por pesquisadores de todo o Brasil e do exterior por 22 anos.

O projeto, maior e mais complexo já realizado por cientistas e engenheiros brasileiros, financiado pelo MCTI, foi chamado de Sirius como referência à estrela de maior brilho no céu noturno e é um equipamento com tecnologia de última geração.

Cada detalhe demandou um altíssimo nível de precisão. A começar pelo prédio. Uma estrutura que pode lembrar um estádio de futebol, com 68 mil metros quadrados de construção que obedecem a padrões rigorosíssimos de estabilidade, nivelamento, controle de temperatura e absorção de vibrações.

“ É um projeto ‘estruturante’ para o Brasil. Foi executado com um percentual de 85% nas contratações e parcerias de empresas nacionais. Vai impactar não somente a ciência, mas formação de recursos humanos, gerar inovação tecnológica e a internacionalização, que aumenta a respeitabilidade do Brasil no mundo inteiro. É também importante para a autoestima do brasileiro, saber que somos capazes de construir e operar algo tão complexo e de tão alta tecnologia”, pontua Roque ”

  • Covid-19

Único na sua categoria fora da Europa, o Sirius acaba de abrir a primeira estação de pesquisa, em caráter excepcional para estudos relacionados com a Covid-19.

A linha de luz MANACÁ usa raios X e está dedicada à cristalografia de macromoléculas. Tem recursos que permitem revelar a estrutura tridimensional de proteínas e enzimas com resolução submicrométrica. As técnicas são capazes de revelar com precisão a posição de cada um dos átomos que compõem a proteína estudada. Por isso, permite investigar moléculas capazes de interferir na reprodução de vírus ou outros agentes causadores de doenças.

Em sua primeira fase o Sirius prevê a instalação de outras 14 estações de pesquisa que podem ser usadas simultaneamente. Seis delas devem ter a montagem concluída até o final deste ano. De acordo com José Roque, o projeto tem capacidade de, no futuro, abrigar até 38 linhas de luz com as mais variadas técnicas. Em breve a gente espera que outras linhas de luz comecem a ser liberadas e se juntem a esse “arsenal” de recursos que o Sirius tem para ajudar a combater vírus e compreender não somente essa doença agora mas várias outras doenças e outras questões ligadas à saúde. 

Dentro do Projeto Sirius (Foto Divulgação/ CNPEM)
  • O CNPEM

Organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) também se destaca internacionalmente por concentrar, além de uma infraestrutura de pesquisa muito atualizada, uma combinação multidisciplinar de competências singulares de altíssimo valor estratégico.

Atualmente, o CNPEM está organizado a partir de quatro laboratórios de referência que, além de projetos próprios, articulados dentro de uma agenda transversal, também estão abertos à propostas de estudos e capacitação da comunidade científica externa.

Visão aérea do Sirius/CNPEM (Foto Divulgação/ CNPEM)

As competências singulares e complementares presentes no CNPEM impulsionam pesquisas e desenvolvimentos nas áreas de luz síncrotron; engenharia de aceleradores; descoberta de novos medicamentos, inclusive a partir de espécies vegetais da biodiversidade brasileira; mecanismos moleculares envolvidos no surgimento e na progressão do câncer, doenças cardíacas e do neurodesenvolvimento; nanopartículas funcionalizadas para combate de bactérias, vírus, câncer; novos sensores e dispositivos nanoestruturados para os setores de óleo e gás e saúde; soluções biotecnológicas para o desenvolvimento sustentável de biocombustíveis avançados, bioquímicos e biomateriais.

Rogério Cezar de Cerqueira Leite, uma trajetória brilhante pela ciência brasileira (Foto Martinho Caires)

A história do Sirius

Por Rogério Cezar de Cerqueira Leite

A pesquisa se constitui num procedimento formal para a aquisição de conhecimento sobre a realidade. Exige pensamento reflexivo e científico. Não se resume na busca da verdade; aprofunda-se na procura de resposta para todos os porquês envolvidos pela pesquisa.

O Sirius, o sonho impossível que se concretizou. E sua história começa muito antes de sua concepção e planejamento. 

Quase três décadas, nasce o UVX, o Síncrotron de 2ª geração inteiramente planejado e construído no Brasil por brasileiros.

A cultura de valorização da pesquisa cultivada pelo CNPEM, foi o arcabouço da criação do Sirius.

Em meados da década de 70 a comunidade internacional de ciências começou a se convencer de que sem a participação de “grandes máquinas” muitos campos essenciais de interesse tanto na física, como na química e na biologia permaneceriam inacessíveis. 

O Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) criou uma Comissão para avaliar opções e oportunidades.  Todavia, passaram-se alguns anos e nada se concretizara.

De repente, circunstâncias favoráveis trariam uma probabilidade elevada de sucesso: a existência de um pequeno grupo, altamente motivado, de cientistas e engenheiros, liderados por um pesquisador especialmente competente, Ricardo Rodrigues. mencionado no inicio.

Obviamente, essas condições seriam necessárias, mas não suficientes. Renato Archer novo ministro, deu apoio.

No governo Fernando Henrique, Luiz Carlos Bresser-Pereira,Ministro de Ciência e Tecnologia, criou uma nova figura jurídica denominada Organização Social. E com isso puderam ser criados sem formalidades os Laboratórios Nacionais de Biotecnologia e de Bioetanol.  Também foram criados dois pequenos grupos de pesquisa, um em nanotecnologia e outro em biologia molecular.

Lula é eleito e com ele, Sergio Rezende, aprovou pelo Conselho de Administração a criação de três novos laboratórios nacionais, hoje tão importantes quanto o Sirius. 

Nasce assim o Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais E Laboratório Nacional do Bioetanol.

O mundo caminhava a pessoas largos e a Luz Sincrotron (LNLS), o UVX, estava sendo ultrapassado por outros equipamentos congêneres no mundo. Era necessário um novo equipamento muito mais avançado. Entra no jogo novamente o Antonio Ricardo Droher Rodrigues. 

O diretor do LNLS, Prof. José Roque da Silva, iniciou um projeto de um equipamento de 3ª geração. O CNPEM se diferencia da maioria das instituições congêneres no Brasil pela adoção de um comitê científico para cada laboratório. 

Estes comitês compostos por cientistas nacionais e estrangeiros de reconhecida competência, que seria a construção de um Sincrotron de 4ª geração. À época havia um único projeto concorrente no mundo, situado na Europa. Pois bem,a equipe liderada por José Roque aceitou o desafio. 

O orçamento era de R$ 1,8 bilhões. A proposta informava ainda que o projeto e a construção seriam feitos por cientistas e engenheiros brasileiros e indústrias nacionais. Os gastos realizados foram em 87% com empresas nacionais e equipe também nacional.

Por obra do acaso, Dilma Rousseff, foi eleita. E como havia estudado na UNICAMP mostra grande interesse pelas pesquisas. Na primeira reunião Do conselho foi aprovado o projeto Sirius.

Para finalizar o projeto faltavam R$ 800 milhões. O Ministro de Ciência e Tecnologia Gilberto Kassab, veio visitar o CNPEM, e falou com o Presidente Temer. Os recursos vieram como planejado.

Os elétrons circulavam, mas não havia como aproveitar a radiação emitida. Mas eis que os recursos vindo de maneira satisfatória ao Sirius e o CNPEM.

Desde  2018, cerca de 2.500 pesquisadores externos usaram os recursos do CNPEM, com 222 projetos realizados por pesquisadores externos ao CNPEM. Esses dados, os recursos vindo como planejado no Governo aBolsonaro

O CNPEM e o Sirius representam um orgulho cientifico ao Brasil, um orgulho para todos Campineiros e Brasileiros.

Rogério Cézar de Cerqueira Leite é graduado em Engenharia Eletrônica e Computação, pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e doutorado em Física de Sólidos pela Universidade de Paris (Sorbonne). Trabalhou como pesquisador nos Laboratórios da Bell/EUA (1962-1970). Lecionou no I.T.A., na UNICAMP e na Universidade de Paris (Professeur d´echange). Foi agraciado com a Comenda da Ordem Nacional do Mérito da França e com a Cátedra da Universidade de Montreal, Canadá. Foi diretor dos Institutos de Física e Artes e Coordenador Geral das Faculdades da UNICAMP. É Professor Emérito dessa mesma Universidade, da qual foi Professor Titular de 1970 a 1987. Entre outros vários títulos e cargos, foi presidente e criador da Codetec e Ciatec e é presidente de honra do CNPEM.

(O Dr.Rogério Cezar de Cerqueira Leite faz uma homenagem especial a Antonio Ricardo Droher Rodrigues, que faleceu no dia 3 de janeiro, aos 68 anos. Engenheiro civil formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutor em Física pelo King’s College, da Universidade de Londres, foi responsável pelo projeto dos aceleradores dos dois síncrotrons brasileiros: o UVX, o primeiro do hemisfério Sul, inaugurado em 1997, e o Sirius, seu sucessor, ambos no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas.
“Ricardo foi um engenheiro genial, responsável pela parte principal no projeto do primeiro Síncrotron UVX. Foi também quem projetou o Sirius e dirigiu as operações que levaram ao seu sucesso como grande obra instrumental para a ciência, inteiramente projetado e, em grande parte [80%], construído no Brasil”, diz Rogério Cezar Cerqueira Leite, ex-presidente do Conselho do CNPEM. “Além do mais, foi sempre um pesquisador dedicado, gentil e modesto. Enfim, um exemplo de cientista e cidadão para todos os brasileiros”.

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Plataforma do empreendedorismo social, ambiental e da ciência e inovação de Campinas. As respostas que a cidade dá a múltiplos desafios emergentes.

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