Padre Landell de Moura

O “PAI DO RÁDIO” FOI PÁROCO EM CAMPINAS: PADRE LANDELL DE MOURA

Importantes nomes da ciência, que deixaram marcas por seu empreendedorismo no campo na inovação, já passaram por Campinas. Um deles é o padre Roberto Landell de Moura, para muitos pesquisadores o “pai do rádio” e que foi pároco substituto na Paróquia de Santa Cruz (depois, Basílica do Carmo), em 1896. Campinas vivia os estertores da febre amarela, que quase dizimou a cidade. Veja texto sobre essa estadia em Campinas do padre Landell de Moura, extraído do livro “Basílica do Carmo: História de fé no coração de Campinas”, assinado por José Pedro Soares Martins e publicado em 2010 pela Editora Komedi:

      “O padre Roberto Landell de Moura foi muito humilde em sua passagem de dois anos por Campinas, como substituto interino do padre Scipião F.Goulart Junqueira, que tinha sido o terceiro titular da Paróquia de Santa Cruz. Humilde porque não quis iniciar grandes inovações, considerando a sua condição provisória. E bem que o padre Moura era chegado a inovações.

Padre Roberto Landell de Moura foi pároco substituto na Paróquia de Santa Cruz (depois, Basílica do Carmo), em 1896

       Ele era um cientista, um dos mais importantes que o Brasil já teve, e sua passagem pela cidade, desconhecida de muitos e ainda colocada em segundo plano na história oficial, como responsável pela Igreja de Santa Cruz, é mais uma demonstração da vocação científica e tecnológica de Campinas.

     Padre Landell de Moura é, segundo importantes cientistas, simplesmente considerado o “pai do rádio”, que inventou na passagem dos séculos 19 e 20. Muitos estudos que levaram a essa invenção foram feitos em Campinas, durante sua passagem pela futura Basílica do Carmo.  

       Roberto Landell de Moura nasceu em Porto Alegre (RS), em 21 de janeiro de 1861. Foi batizado a 19 de fevereiro de 1863, junto com sua irmã Rosa, na Igreja do Rosário. Ele era o quarto de 12 irmãos, filhos de Ignácio José Ferreira de  Moura e Sara Mariana Landell de Moura.

        Era irmão de farmacêuticos como João, Edmundo e Ricardo, do médico Ignácio Landell e do negociante Pedro Landell de Moura, que vivia em São Paulo. Roberto entrou para o Colégio dos Jesuítas de São Leopoldo (RS) em 1879. Decidiu ir ao Rio de Janeiro e, depois, acompanhar o irmão Guilherme que estava de partida para Roma. Na capital italiana Roberto Landell de Moura matriculou-se no Colégio Pio Americano e na Universidade Gregoriana. Espírito inquieto, tinha aulas de física e química. Queria ir a fundo no entendimento dos enigmas do Universo e da presença de Deus na vida dos seres humanos e do mundo.

      A 28 de setembro de 1886 foi ordenado sacerdote, e já nessa época esboçava a sua teoria sobre a “Unidade das forças e a harmonia do Universo”. Em fevereiro de 1887 foi nomeado capelão do Bom Fim, em Porto Alegre, e lente de História Universal do Seminário Episcopal. Quatro anos depois tornava-se vigário em Uruguaiana, mas logo foi transferido, em 1892, para o estado de São Paulo, inicialmente para Santos e São Paulo, antes de ser nomeado como substituto da Paróquia de Santa Cruz em Campinas, em 1894.

    Em Campinas, padre Landell de Moura aprimorou seus estudos religiosos e científicos. A unificação entre os dois campos, ou a relação entre essas duas áreas para muitos opostas, era um de seus focos centrais de pesquisa.

      Pouco antes da estadia em Campinas, o padre Moura promoveu, em São Paulo, aquelas que são consideradas hoje como as experiências pioneiras na transmissão de sons sem o uso de fios. Era  a invenção do rádio, e o local das experiências, dois pontos, um na avenida Paulista e outro no Alto de Santana.

Réplica do 1º transmissor criado pelo Padre Landell

      As experiências pioneiras do padre Landell de Moura foram realizadas, portanto, antes de experimento semelhante de Guglielmo Marconi, em Pontechio, na cidade de Bolonha, em 1895. Como se sabe, Marconi é considerado o “pai do rádio”, embora os registros históricos deem conta da primazia do padre brasileiro.

      Marconi obteve uma patente sobre seu invento, anterior à patente obtida pelo brasileiro, em 1900. Depois de deixar Campinas, o padre decidiu viajar aos Estados Unidos, para obter patentes para seus inventos. Ele havia recebido muitas críticas, inclusive em Campinas, de católicos conservadores, para quem suas experiências seriam heréticas conforme a doutrina cristã.

      O êxito em território norte-americano foi expressivo. Apresentou suas ideias ao The Patent Office at Washington, objetivando a patente sobre telefonia-sem-fio. Em documento de 4 de outubro de 1901, órgão observou que as teorias do religioso eram tão revolucionárias que a patente não poderia ser concedida, sem a devida apresentação de um modelo do aparelho, para a demonstração prática das ideias defendidas.

Patente 775.337 de 22 de novembro de 1904 pela telefonia sem fio

      Mas a vitória aconteceria.   Ele acabou obtendo as patentes de números 771.917, a 11 de outubro de 1904 (pelo TRANSMISSOR DE ONDAS); 775.337, de 22 de novembro de 1904 (pela TELEFONIA-SEM-FIO), e 775.846, na mesma data (pela Telegrafia-sem-fio).

     A Igreja estava atenta.  A 7 de maio de 1904, o monsenhor Vicente Lustosa remeteu ao Brasil, de Nova York, uma longa carta, que foi publicada no “Jornal do Commercio” de 19 de junho seguinte, com estes termos:

  “Visitamos também o nosso patrício Padre Roberto Landell de Moura, rio-grandense do Sul e que, há uns 5 anos foi vigário em Campinas de São Paulo, e que aqui reside há 3 anos, fazendo estudos sôbre electrecidade. Montou um modesto gabinete e conseguiu descobrir novas interessantes aplicações de electricidade, e sôbre a espécie já obteve do Govêrno americano dois privilégios, e está em vias de alcançar outros. Os jornais de Nova York já se ocuparam honrosamente de seu nome, publicando o seu retrato e diplomando-o se sábio. E distintos engenheiros, em sinal de apreço e consideração, ofereceram-lhe um jantar”.

Matéria publicada em página dupla no jornal New York Herald em 1902

       Logo o padre Landell de Moura voltou ao Brasil, e de Botucatu respondeu a uma carta que havia sido encaminhada, a 28 de março de 1905, pelo Centro de Ciências, Letras e Artes, de Campinas, que em seu conteúdo era um claro tributo da cidade ao religioso que passou por ela, pela Igreja de Santa Cruz. O CCLA fazia um convite para o religioso integrar os seus quadros, com a assinatura de César Bierrenbach, homenageado com estátua  no Largo do Carmo.  O religioso assim respondeu ao documento:

“Botucatu, 8 de abril de 1905.
Exmo. Sr. Dr. J. César Bueno Bierrenbach.
Dign. Secretário geral do Centro de Ciências, Letras e Artes.
Exmo. Amigo e Senhor.  

Por intermédio de V. E. tenho a satisfação de notificar aos digníssimos Representantes do Instituto Científico de Campinas, que aceito muitíssimo penhorado o vosso gentil convite para fazer parte dessa bem nascida instituição, na qualidade de sócio correspondente, e que agradecendo com toda efusão de minha alma, faço votos ao Criador, para que, em um futuro não remoto, possais ter ocasião de glorificar, não a mim, mas sim Aquele que em meus estudos e pesquisas científicas me ilumina e guia, para decôro da sotâina que envergo, exaltação da Pátria e bem-estar da humanidade.  
Sou, com toda estima e consideração, de Vossa Excelência, Criado e Amigo muito agradecido.  

(a) P. Roberto Landell de Moura”.  

      A carta do padre Moura é muito clara a respeito de seus propósitos. Era o de servir, com sua inteligência, à “pátria e ao bem estar da humanidade”. Ele pretendeu ratificar esse propósito quando solicitou ao presidente Rodrigues Alves a licença para demonstrar suas experiências utilizando dois navios da Marinha brasileira. Inicialmente houve boa receptividade, mas logo depois a Presidência alegava que o pedido não poderia ser atendido no momento.

      Após passagens por Botucatu e Mogi das Cruzes, o padre Landell de Moura voltou ao Rio Grande do Sul. Tornou-se monsenhor a 17 de setembro de 1927 e Arcediago do Cabido Metropolitano de Porto Alegre. Morreu em 30 de julho de 1928. O padre Landell de Moura tornou-se o patrono dos radioamadores brasileiros e das telecomunicações. O antigo Centro de Pesquisas (CPqD) da Telebrás, em Campinas, também o considerou o seu patrono.

Um dos últimos reconhecimentos ao trabalho pioneiro do padre Moura está no livro de Bill Yenne, “100 inventions that shaped world history”, Morton, drGrosser (editor), publicado no Brasil como “100 invenções que mudaram a história do mundo”, pela Ediouro Publicações SA, Prestigio Editorial. Nas páginas 141, 142 e 155, o padre Moura é considerado pioneiro no rádio, antes do italiano Marconi. O livro também considera Alberto Santos Dumont como pioneiro da aviação, antes dos Irmãos Wright, na página 151”.

 

 

Em 2011, os Correios colocaram em circulação selo em comemoração aos 150 anos do Padre Landell de Moura – FOTO Elza Fiúza/ABr

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