Horta na Fazendinha Feliz com espécies de PANC (Foto Divulgação)

Fazendinha Feliz promove a reverência e o respeito à natureza

Por José Pedro S.Martins

Hortas em várias escolas de Campinas e na Moradia Estudantil da Unicamp, com o apoio dos estudantes indígenas. Cultivos de plantas não-convencionais em diversos municípios paulistas. Colônias de abelhas sem ferrão como complemento de renda para muitos agricultores do estado. Estes são alguns dos resultados da rede criada pela Fazendinha Feliz, um projeto de extensão rural que completará dez anos em 2021 e se tornou referência em território paulista, ganhando cada vez mais simpatizantes e apoiadores em diferentes regiões.

A Fazendinha Feliz nasceu em junho de 2011, a partir de um trabalho feito pelo agrônomo Osmar Mosca no Centro de Convivência Infantil da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), órgão da Secretaria Estadual de Agricultura, responsável pelo trabalho de extensão rural em território paulista. Localizada em Campinas, ao lado da Fazenda Santa Elisa, do Instituto Agronômico, a Cati foi depois transformada na Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS).

Em parceria com a nutricionista da Cati, Denise Baldan, Mosca desenvolveu um projeto de alimentação saudável, natural, com espécies diferenciadas, para as crianças que eram atendidas na Educação Infantil oferecida no Centro de Convivência. A Fazendinha Feliz passou a ocupar um espaço na Cati, depois CDRS, para as crianças conhecerem todo o processo de plantio, colheita e processamento dos alimentos. “Um lugar para as crianças terem contato com a terra, para perceberem como é importante cuidar da terra, plantar, regar e colher os alimentos”, resume Mosca.

Oficina de Osmar Mosca com educadores de Lins (Foto Divulgação)

O trabalho gerou um entusiasmo cada vez maior no agrônomo que tem uma trajetória muito ligada à extensão rural. Formado na Escola Superior de Agricultura de Lavras, atual Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais, atuou comoo extensionista no Oeste de Santa Catarina, antes de ingressar no serviço público em São Paulo. Há 11 anos está nos quadros da Cati, atual CDRS.

Mosca conta que o projeto foi ganhando densidade e capilaridade. “Trabalhamos com os princípios da alfabetização ecológica e com base nos ensinamentos da própria natureza. Sempre com muito respeito ao saber que todas as pessoas possuem. Buscamos então trocar experiências”, diz o agrônomo. Ele observa que o projeto ganhou adeptos, até a formação de uma rede multidisciplinar, integrada por médicos, educadores, agrônomos, biólogos e outros profissionais, que passou a se reunir regularmente para trocar ideias e informações. Com a pandemia, os encontros se tornaram virtuais.

Para os alunos da rede escolar, uma das preocupações é difundir o respeito ao trabalho do agricultor, diz o responsável pela Fazendinha Feliz. “Procuramos plantar uma sementinha de respeito, reverência e gratidão com aqueles que trabalham com a terra e que nos propiciam os alimentos”, diz Osmar Mosca.

Cuscuz PANC da Fazendinha Feliz, feito com ora-pro-nóbis, bertalha e malvarisco (Foto Divulgação)

A multiplicação das PANC

A difusão das Plantas Alimentícias Não Convencionais, as PANC, que têm atraído interesse crescente, especialmente no âmbito da agricultura familiar, é um dos pontos fortes da Fazendinha Feliz. “Os agricultores têm percebido que as PANC são uma alternativa muito interessante e promissora”, diz o agrônomo Osmar Mosca.

Desta maneira a Fazendinha Feliz contribui na semeadura de conhecimento e plantio de espécies como ora-pro-nóbis, taioba, caruru, almeirão de árvore e outras. Espécies que para muitos seriam “somente mato” e desta maneira em geral excluídas do cardápio e das atividades agrícolas, mas que “podem enriquecer a merenda e aumentar a renda do produtor que deseja diversificar seu plantio”, afirma Mosca.

Terreno plantado com ora-pro-nóbis em Cajuru, interior paulista (Foto Divulgação)

Pois em plena pandemia continuou a disseminação das PANC e seus benefícios. Foi o que ocorreu com produtores rurais de Cajuru, na região de Ribeirão Preto, que viajaram até Campinas no mês de agosto, para conhecer o projeto das PANC mantido pela Fazendinha Feliz.

Eles estavam acompanhados do agrônomo Michel Siqueira, que atua como consultor em um projeto de processamento de ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata) como farinha, para o mercado vegano. “Fomos muito bem recebidos e Osmar Mosca ainda esclareceu sobre outras espécies de PANC”, relata Siqueira.

O grupo recebeu algumas matrizes de ora-pro-nóbis e o primeiro plantio já foi executado na propriedade rural em Cajuru. “Tudo será feito de acordo com os princípios da agricultura orgânica e adotando as diretrizes da linha vegana”, destaca Michel Siqueira.

Osmar Mosca e colônia de abelha jataí no espaço da Fazendinha Feliz (Foto Divulgação)

Abelhas sem ferrão

Experimentos com abelha sem ferrão têm alcançado dimensão cada vez maior na agenda da Fazendinha Feliz e em seu espaço propriamente dito na CDRS, em Campinas. “O que está acontecendo com as abelhas em todo mundo, com um desaparecimento em massa, é um grande alerta para a humanidade, no sentido do agravamento dos impactos ambientais das ações humanas”, diz Osmar Mosca, lembrando que a polinização feita pelas abelhas é essencial para a agricultura em geral.

A linha de trabalho da Fazendinha Feliz com as abelhas sem ferrão visa oferecer uma alternativa para os produtores rurais, mas também como ferramenta de educação ambiental. “As crianças ficam encantadas quando tocam em uma colônia, quando bebem o melzinho, ficam sabendo como acontece a polinização e que as abelhas sem ferrão não provocam nenhum perigo. Elas desenvolvem um olhar muito carinhoso e amoroso com as abelhas e a natureza em geral”, diz Osmar Mosca.

O agrônomo lembra que no Brasil estão três quartos das espécies de abelhas sem ferrão encontradas no planeta. Ele defende um trabalho cada vez maior das escolas sobre as abelhas sem ferrão e sobretudo em termos de sua contribuição para a polinização. “Quando se fala de abelha, geralmente é sobre picada ou o mel. O trabalho de polinização, fundamental para a natureza e a agricultura, é pouco citado”, ele lamenta.

Oficina na Fazendinha Feliz com professores de Campinas (Foto Divulgação)

Hortas escolares

A semeadura de hortas em muitas escolas de Campinas é outra consequência dos esforços da Fazendinha Feliz. É o caso da Escola Estadual Artur Segurado, localizada bem perto da antiga Cati.

Em 2019 Osmar Mosca ajudou na montagem da horta na escola como explica Valdilene Concesso Silva Marcelino, da Associação de Pais e Mestres. “Com muito entusiasmo, ele ensinou as crianças como plantar e quais os cuidados que devemos ter com a terra e a natureza em geral”, conta Valdilene, que atua como voluntária em várias iniciativas na EE Artur Segurado. Ela relata que o extensionista, “com um carinho, conhecimento e didática ímpar”, deu importante apoio na montagem da horta escolar.

Mas o cenário mudou com a pandemia e as escolas começaram a trabalhar somente de forma remota. A EE Artur Segurado manteve o trabalho com a horta escolar, em outro modelo. Com base na ideia original, materializada com o suporte da Fazendinha Feliz, evoluiu o conceito de multiplicação de hortas em pequenos espaços, nas casas dos alunos, que pudessem ser criadas e mantidas por eles, junto com os pais.

Desta maneira, muitas famílias de Campinas passaram a ter pequenas hortas, em um processo educativo e ao mesmo tempo contribuindo com complemento à alimentação, em momentos de dificuldade de acesso em função da pandemia.

Esta propagação de hortas foi viabilizada a partir do preparo e distribuição de milhares de mudas de diversas hortaliças, legumes e plantas medicinais (como alface, rúcula, almeirão, salsinha, cebolinha, sementinha mini tomate, camomila e outras), entregues aos pais com os kits escolares montados pelo governo estadual em decorrência da pandemia. “A sementinha deu muita colheita”, resume Valdilene Marcelino.

Alunos indígenas preparando canteiros na horta da Moradia Estudantil da Unicamp (Foto Divulgação)

Horta na Moradia Estudantil da Unicamp

Uma horta com PANC e também com hortaliças, legumes e outros alimentos tradicionais foi igualmente estruturada na Moradia Estudantil da Unicamp, com apoio da Fazendinha Feliz e, desta vez, com a ajuda dos estudantes indígenas que estão morando em Campinas. A montagem da horta contou com o apoio do agrônomo Osmar Mosca.

A participação dos alunos indígenas na montagem da horta foi incentivada pelo médico infectologista Paulo Abati, que atua na rede de saúde pública de Campinas e também na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Ele é um dos profissionais que acompanham a estadia na cidade dos alunos vindos de várias aldeias da Amazônia e outras regiões.

Desde 2019 a Unicamp promove o Vestibular Indígena. Na primeira edição foram 611 inscritos, que disputaram as 72 vagas oferecidas. Foram matriculados 64 estudantes, de 23 etnias do Brasil. N/a segunda edição, realizada no ano passado, o número de inscritos subiu para 1.675, que disputaram 96 vagas, resultando na matrícula de 85 estudantes. Para o Vestibular de 2021 foram oferecidas 88 vagas.

O Dr.Paulo Abati observa que a Unicamp não se preocupa apenas com o oferecimento das vagas, mas com a estadia dos alunos indígenas em Campinas. “Eles estão muito longe de seus territórios, distantes de seu modo de vida tradicional e precisam apoio para superar as dificuldades de adaptação e estadia”, ele comenta.

Neste cenário fortaleceu a ideia de participação dos alunos indígenas na implantação de uma horta comunitária na Moradia Estudantil. “A horta na realidade já existia, mas foi incrementada com o apoio da Fazendinha Feliz e com os saberes dos indígenas”, ele sintetiza.

Alunos indígenas com Dr.Paulo Abati e Osmar Mosca, na horta da Moradia Estudantil (Foto Divulgação)

“Essa experiência permitiu uma troca muito rica de informações e saberes”, diz o Dr.Abati, informando que alguns dos alunos indígenas já participaram de encontros promovidos pela Fazendinha Feliz. “A horta oferece alimentos saudável para os alunos e também é uma forma de praticar o jeito como eles manejam a terra, cuidam do solo”, completa o médico, que atua há vários anos com saúde indígena, desde a época em que morou em Santarém (PA), logo depois de formado pela Unesp.

No retorno a São Paulo, ingressou no núcleo de medicina tropical da USP e finalmente se transferiu para Campinas. Recentemente, participou de uma expedição a aldeias indígenas do litoral paulista, para avaliação do impacto da Covid-19 entre a população local.

O Dr.Abati conheceu o trabalho de Osmar Mosca quando o agrônomo desenvolvia uma de suas atividades de extensão no Litoral. O contato foi fortalecido e o médico passou a integrar a rede de profissionais que se reúne em encontros, no momento remotos, promovidos pela Fazendinha Feliz.

“Esse grupo heterogêneo tem realizado um trabalho muito interessante de troca de experiências no sentido de uma agricultura orgânica, mais natural e saudável”, resume o médico. “A promoção de uma agricultura que fornece alimentos e ao mesmo tempo respeita a natureza será cada vez mais essencial para a humanidade e o planeta”, conclui.

Desta maneira a Fazendinha Feliz vai semeando reverência, diálogo e respeito à biodiversidade, natural e cultural. Bases de um novo processo civilizatório.

 

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